Foto: RUY TEIXEIRA

Bernardes Arquitetura

Atuando no competitivo mercado dos projetos de alto padrão, Thiago Bernardes fundou há cinco anos a Bernardes Arquitetura. Nessa sua nova fase profissional, intensifica-se o propósito de fazer de cada projeto uma obra especial e de expandir o horizonte de trabalho, convivendo no cotidiano do escritório tanto as arquiteturas residenciais a que se dedica há anos, quanto projetos de outros programas e escalas, inclusive de urbanismo. A excelência da produção ganha novo fôlego com a sintonia entre Thiago, seus sócios e equipe, e o resultado é a realização de uma arquitetura autoral de elevada qualidade, feita a muitas mãos.

 

É pelo croqui da implantação que Thiago Bernardes inicia os projetos. Seu modo de criar é introspectivo, silencioso, padrão que divide os arquitetos: há os que projetam por tentativa e erro, exteriorizando precocemente os pensamentos, e outros, como Thiago, que mapeiam mentalmente as possibilidades até que avistem um caminho.

Com o traço maduro, então, é que ele incorpora os demais atores do processo de projeto. Seu novo escritório está completando cinco anos de existência. Como na experiência anterior, com Paulo Jacobsen, com quem realizou a sucessão do escritório do pai – Claudio Bernardes, falecido em 2001 -, o Bernardes Arquitetura, criado em 2012, tem sedes no Rio de Janeiro, onde nasceu, e em São Paulo, importante frente de trabalho, aberta no passado por Claudio. Mas surgiram outros horizontes, tanto empresariais – há uma filial em Lisboa e a composição societária multifacetada – quanto arquitetônicos. Thiago e equipe rejeitam que se atribua a eles uma assinatura, formal, mas estão à vontade com o rótulo de criadores de obras especiais. De programas e escalas variadas, predominando a arquitetura residencial, embora se busquem também novos horizontes de projeto.

 

Memória

Thiago, Claudio e Sergio, os três arquitetos Bernardes – filho, pai e avô, estes dois últimos já falecidos – estão reunidos no Projeto Memória, criado junto com a Bernardes Arquitetura. Coordenado por Kykah Bernardes, que foi companheira de Sergio, trata-se de um espaço de difusão do legado arquitetônico da família e está sediado no escritório do Rio de Janeiro. Um dos braços do projeto é o diálogo que mantém com a UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujo Núcleo de Pesquisa e Documentação (NPD) abriga atualmente o acervo de Sergio Bernardes, que por muitos anos esteve na Fundação Oscar Niemeyer. A ideia é disponibilizar para consulta os desenhos e documentações dos projetos de Sergio que, no entanto, precisam ser organizados, restaurados e digitalizados. Além deste programa, em andamento, outra importante iniciativa do Projeto Memória foi a ideia de realizar um filme sobre Sergio Bernardes.

Dirigida por Paulo de Barros e Gustavo Gama Filho, e realizada por Rinoceronte Produções e 6D Films, a obra foi lançada em 2014, com exibição segmentada, mas também em circuito comercial. Thiago é o protagonista oculto, pois é ele que entrevista a série de antigos colaboradores, amigos e familiares do avô, em busca de testemunhos da sua arquitetura e do seu temperamento turbulento – visionário mas, ao mesmo tempo, de difícil convívio. Como pano de fundo, percorrem-se obras importantes de Sergio, como a Residência Lota Macedo Soares (Petrópolis, 1953), o Pavilhão de São Cristóvão (Rio de Janeiro, 1960) e o Hotel Tambaú (João Pessoa, 1962), e resgatam-se projetos não implantados. Já do pai, Claudio, a página do Projeto Memória, hospedada no site da Bernardes Arquitetura, reúne uma amostra de trabalhos residenciais. Sintomático, assim, de um novo começo, foi Thiago ter criado a Bernardes Arquitetura apaziguando sua relação com a herança arquitetônica familiar, embora o sentido tenha sido o de posicioná-la no campo do passado.

Há vinte anos, ele trilhava caminho independente desta história, atuando em sociedade com Miguel Pinto Guimarães, até que em 2001 a dupla se transferiu emergencialmente para o escritório do recentemente falecido Claudio. Depois de dois anos, Miguel deixou o trio para fundar a MPG, Miguel Pinto Guimarães Arquitetura, e permaneceram como sócios Thiago e Paulo Jacobsen. A parceria foi duradoura e teve sucesso, mas, passada uma década, era o momento de cada um seguir o seu caminho.

 

 

Gestão

Nuno Costa Nunes é administrador de empresas. Embora o seu ingresso no universo da arquitetura não tenha tido relação com o primeiro trabalho, há uma certa coincidência no fato deste ter sido em uma empresa carioca de engenharia, detalhando formas de concretagem. Nascido em Angola e crescido no Rio de Janeiro, Nuno seguia um plano de carreira quando recebeu o telefonema de Thiago Bernardes, em 2001, convidando-o para integrar o escritório Bernardes Jacobsen Guimarães. O salário era a metade da sua remuneração na época e, além do mais, ele não entendia nada da gestão de um escritório de arquitetura nem dos fluxos de projetos e obras. Mas, no ímpeto, aceitou a proposta, dando início à sua bem sucedida jornada no campo da arquitetura.

Respondendo pelas finanças, teve dificuldades em equacionar contratos com recebimentos, sobretudo pelo vínculo que havia entre pagamentos e entregas parciais dos projetos, que sempre tardavam a acontecer. Muitos retrabalhos e redesenhos dificultavam o fluxo de tarefas e, consequentemente, o planejamento financeiro da empresa.

Passados onze anos, Nuno se tornou sócio de Thiago na Bernardes Arquitetura. Hoje, ele domina os pormenores do escopo arquitetônico, tem reuniões semanais com os arquitetos, costuma fazer o meio de campo entre os profissionais e os clientes, divide com Thiago o braço comercial do escritório e sente ter cumprido um passo importante quando o assunto é eficiência da equipe: sistematizou as informações cotidianas através de um software de gestão, o Do-it, e concluiu há pouco a implantação da plataforma BIM em todas as etapas dos projetos.

Ou seja, coexistem na Bernardes Arquitetura o traço autoral, vinculado a Thiago, e a velocidade do desenvolvimento dos trabalhos, segmentados em equipes e criados através de modelos. São quatro coordenadores em São Paulo – os sócios Márcia Santoro, Dante Furlan, Steven Evans e Rafael Oliveira – e outros dois no Rio de Janeiro: Gabriel Duarte e Francisco Abreu. Além destes, a também sócia Camila Tariki tem seus times de arquitetura de interiores sediados em São Paulo, mas atuantes também no Rio de Janeiro.

Em termos de organização do fluxo de trabalho, a principal novidade da Bernardes Arquitetura foi a criação das equipes de projeto – que os desenvolvem do começo ao fim, lideradas por seus coordenadores – em substituição ao modelo de produção em uma central única de desenvolvimento a alimentar as demandas dos líderes. Com isso, as equipes ganharam maior autonomia nas tomadas de decisões, porque estão informadas sobre todas as implicações e alternativas dos projetos.

E, de fato, sente-se na Bernardes Arquitetura a segurança e comprometimento dados por tal clareza do fluxo de tarefas. É um escritório que desenvolve projetos especiais, autorais, mas cuja excelência e criatividade seguem um sistema de procedimentos padronizados. Márcia Santoro testemunhou a mudança de gestão, da qual é entusiasta. Ela atuou com a dupla Claudio Bernardes e Paulo Jacobsen, depois com o trio Paulo, Thiago e Miguel, depois Thiago e Paulo, até que se associou a Thiago.

Na sua análise, o sistema atual de trabalho dá mais responsabilidade e, consequentemente, reconhecimento, a todos os envolvidos no processo de projeto, de modo a se obter coletivamente a excelência. Thiago está 100% presente na etapa inicial, de estudo e anteprojeto, e monitora as fases posteriores, inclusive de construção. Algo parecido ocorre com os clientes, que acompanham mais à distância o desenvolvimento dos projetos básico, executivo e detalhamento. Isso porque, explica Nuno, a filosofia do escritório é antecipar no anteprojeto o máximo de decisões de desenho, de modo a se ganhar velocidade quando entram em cena as compatibilizações.

 

Parcerias

O engenheiro José Luiz Canal conheceu Thiago Bernades quando o carioca foi convidado a visitar a sede administrativa da Gerdau, em Porto Alegre, para reordenar os escritórios da empresa. Canal se recorda que, em meio ao acúmulo de informações dadas pelo contratante e da desordem física do espaço, Thiago traçou no papel manteiga o partido do projeto, de criação de um novo pavilhão ladeado por jardim e da construção de nova frente para a direção. Tal capacidade de síntese da demanda e de apreensão do local surpreendeu o engenheiro que, desde então, é parceiro de Thiago Bernardes nos seus projetos.

De fato, são elucidativos os croquis de Thiago, sejam eles da memória do que foi feito ou do porvir. Não é raro ele retraçar projetos na presença dos clientes, aprimorando ou dando novo rumo às decisões, o que torna interessante o convívio, no seu escritório, da inteligência da tecnologia com a criatividade e liberdade do indivíduo.

Ou, mais apropriado dizer, dos indivíduos, pois além do mérito de seu talento pessoal, Thiago sabe se cercar de profissionais competentes, como foram os casos de Nuno e de Canal, e de tantos outros. A arquiteta Camila Tariki, por exemplo, se juntou à sociedade após uma colaboração feita com a Bernardes Arquitetura em projeto que teve mobiliário comprado em Nova York, onde ela residia. Posteriormente, Camila aceitou o convite de Thiago e voltou para o Brasil, deixando para trás o seu trabalho no escritório de Karim Rashid.

Algo semelhante ocorreu com o carioca Gabriel Duarte. Sócio fundador do escritório de arquitetura CAMPO, em 2007, seu primeiro contato com Thiago ocorreu em 2013, durante o julgamento do Concurso Opera Prima, promovido pela revista PROJETO. Dois anos depois, ele foi convidado por Thiago para criar a equipe de urbanismo da Bernardes Arquitetura, da qual é hoje coordenador.

Tal fato é eloquente do futuro almejado pelos profissionais que lideram a Bernardes Arquitetura: ampliar o horizonte dos trabalhos – há, atualmente, cinco projetos de hotéis em desenvolvimento, além de urbanismo e desenho urbano – e ter longevidade. Equilibrando, assim, o traço autoral com a excelência e agilidade da atuação em equipe.

 

Entrevista

A Bernardes Arquitetura tem o propósito de criar projetos especiais. O que isso significa?
Thiago BernardesÉ algo natural. Cada cliente, cada lugar, tem as suas particularidades. A essência do projeto é o modo como ele se relaciona com a paisagem, com o terreno, ou seja, já na implantação está dado o seu partido.

Que projetos destacaria nesta sua nova fase de trabalho?
TB Acho que temos desenvolvido obras muito particulares. Como a Casa Terra [Itaipava, 2015] e a Casa Triângulo [veja a seguir], assim como trabalhos de urbanismo. Não temos uma assinatura, a não ser que essa seja a do minimalismo das soluções. Percebo também que comecei a testar situações de paredes oblíquas, inclinadas, que criam espaços diferentes do que a dos pátios com delimitações ortogonais.

Quais os planos para o escritório?
Nuno Costa Nunes Queremos que seja um escritório de 50 anos, ou seja, cuja qualidade da equipe e dos procedimentos nos deem a autonomia para seguirmos adiante. Quando comecei a atuar no campo da arquitetura, me surpreendeu que não houvesse um software de gestão à disposição. Estava tudo emaranhado e atrelado à figura do arquiteto fundador, os processos não tinham eficiência, havia muito retrabalho porque decisões importantes eram tomadas tardiamente. Sabia-se quanto custavam os projetos, mas eram incógnitas o seu tempo de elaboração e, consequentemente, de pagamento.

Você trabalhou com Claudio Bernardes, depois na Bernardes Jacobsen Arquitetura e, agora, com Thiago, nesta nova fase. O que mudou nestes anos?
Márcia Santoro Acho que são momentos incomparáveis. Lá nos anos 1990, com o Claudio e o Cecêdo [Paulo Jacobsen] nem internet havia ainda disseminada nos escritórios de arquitetura. Desenhávamos à mão. Depois, na Bernardes Jacobsen, as tarefas já fluíam melhor, mas foi fundamental termos implantado, agora, o trabalho através de equipes de projeto. Acho que é a solução ideal para um escritório como o nosso, que pretende desenvolver todas as particularidades do projeto. Ou seja, segmentar a produção, senão, passa a não existir vida além do escritório. É muito trabalho para fazer.

 

Bernardes Arquitetura: Casa Triângulo, São Paulo

Bernardes Arquitetura: Masterplan Paraty, RJ

 

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