Gustavo Penna

Raros são os escritórios nacionais que, tendo alcançado o status de uma empresa de arquitetura de porte – para os padrões do país -, continuam a atuar na pequena, média e grande escalas, como ocorre com Gustavo Penna Arquiteto & Associados. “Não temos uma linha de produção”, enfatiza, com certo orgulho, Laura Penna, filha que seguiu os passos do titular da equipe na profissão. Projetos para o rótulo de uma cerveja, a capa de um disco, uma residência ou um centro administrativo são tratados com o esmero e a delicadeza de um ateliê. A maior parte dos integrantes da equipe – a qual, em anos recentes, quase sempre conta com profissionais de outros países – revela que foi justamente a diversidade de programas e a alternância de dimensões que os levaram a ingressar no estúdio e a permanecer ali por longos períodos.

 

As “musiquinhas” que, em geral, integram as centrais telefônicas e tocam no período de espera entre o atendimento e a conexão com o destinatário final são, quase sempre, irritantes. Quem entrar em contato com a sede do escritório Gustavo Penna Arquiteto & Associados, em Belo Horizonte, ouvirá uma exceção. São os suaves acordes de piano de “Gymnopédie”, composição do francês Erik Satie (1866-1915), a preencher o tempo até a ligação (quase que invariavelmente atendida por Eliane Silva Pereira) ser transferida para algum dos integrantes da equipe.

Assistente de direção, Eliane trabalha no escritório de Penna há mais de duas décadas e tem sob sua responsabilidade, entre outras atividades, a de organizar a agenda do arquiteto. Em vez da obra de Satie, poderia ser, por exemplo, “Molduras arquitetônicas”, de Toninho Horta, também mineiro e amigo de Penna de longa data.

Anos atrás, Horta a compôs para acompanhar as imagens dos projetos que seriam exibidos em uma sala da Bienal de Arquitetura de São Paulo reservada à obra do arquiteto. Numa manifestação recente dessa amizade, Penna foi convidado para criar a capa de um disco de Horta.

A diversidade de escalas de atuação – de delicados desenhos de uma capa de disco ou o rótulo de uma cerveja a projetos grandiosos – permeia a carreira do arquiteto que se formou pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1973. Desde aquele período, seu escritório ocupa o acolhedor sobrado que pertence à família, próximo da região central da capital mineira. Seus avós moraram no imóvel e, por isso, ele costuma brincar que a casa é habitada por várias gerações de fantasmas familiares. No início, o escritório se restringia a um cômodo, porém, com sua expansão, hoje ocupa os dois pavimentos.

 

Reconhecimento da obra

Não demorou muito para que a arquitetura de Penna começasse a despertar interesse. Embora alguns observem nos seus trabalhos iniciais traços do pós-modernismo mineiro (provavelmente em função de seus projetos para o Núcleo de Ensino e Extensão Comunitária, publicado em PROJETO 122, junho de 1999, e para a Academia Shaping, que está na edição 161, março de 1993), o alcance de sua obra superou os códigos dessa linguagem.

Mesmo as comparações entre o seu projeto para a Academia Mineira de Letras (PROJETO 191, novembro de 1995) e as obras do português Álvaro Siza são ultrapassadas. Da mesma época da academia (anos 1980/início dos 1990) é a Escola Guignard (publicada na mesma edição), esta sim com contribuição decisiva para que a produção do escritório alcançasse novos patamares, inclusive com relação às dimensões com as quais passou a lidar. É o caso do projeto do Centro de Exposições de Minas Gerais (Expominas), da segunda metade dos anos 1990, complexo que foi implantado em etapas ao longo de quase uma década: a primeira delas, a Casa do Criador (PROJETO 208, maio de 1997); a segunda, um dos módulos do pavilhão de exposições e a arena de eventos (PROJETO 231, maio de 1999); e a derradeira, os dois pavilhões finais (PROJETO 317, julho de 2006).

A contratação para projetos de maior dimensão não significou, porém, o abandono dos de menor escala, como as residências, que continuam a ser desenhadas por Penna com cuidado detalhista e entusiasmo. Se nesse momento – a década de 1990 – os trabalhos são compatíveis com a estrutura de um escritório de porte (para padrões brasileiros), a organização interna e os fluxos ainda são vulneráveis. Eliane recorda que as informações sobre a produção dependiam, sobretudo, da memória dos integrantes da equipe.

 

A equipe de projetos trabalha no piso superior do sobrado que fica próximo da região central de Belo Horizonte (Foto: Jomar Bragança)

 

Arquitetos formados no exterior têm sido presença constante no escritório, que, fundado em 1973, já desenvolveu mais de mil trabalhos. (Foto: Jomar Bragança)

 

Profissionalização

Ninguém no escritório discute a capacidade de Penna de produzir arquitetura em abundância. Se desse lado lhe sobram virtudes, de outro falta‑lhe habilidade para o trato com questões gerenciais e administrativas. A chegada, em 2003, de Laura Penna (filha de Gustavo, formada na UFMG em 2001) começou a alterar essa situação. Foi a partir de sua integração à equipe que se deu o que ela chama de profissionalização do escritório.

Até então, a contratação para projetos dependia exclusivamente do arquiteto, papel do qual, por sua natureza espontânea e extensa rede de conhecidos, ele nunca abriu mão. “Éramos muito comprados e pouco vendidos”, comenta Laura. Hoje, essa situação se alterou e o GPA – como é chamado internamente e que teve sua constituição como pessoa jurídica em 2003 – passou a ter uma postura proativa. Já dispõe de um departamento comercial e prospectar trabalhos é incumbência de todos.

Depois de muitos anos, o escritório conseguiu organizar, por exemplo, atestados e certificações de projetos em programas completamente distintos que já tinha desenvolvido. Esse rearranjo interno tem permitido participar de (e vencer) licitações de grande porte – um exemplo recente disso é a futura sede da Procuradoria Geral do Trabalho, em Brasília. “A documentação era capenga”, reconhece Laura. Ampliar as fronteiras de atuação (tanto geográficas como em termos propositivos) é uma preocupação das gerações mais recentes que integram a equipe, e que hoje representam a maior parte do time do GPA.

Na área de arquitetura, o mais antigo é Norberto Bambozzi (UFMG, 1992). Ele está há duas décadas no escritório e é uma espécie de braço direito de Penna nas questões projetuais. Numa metáfora futebolística, se Penna jogasse no ataque, Bambozzi seria o homem que faz a ligação entre a defesa (a equipe de arquitetura com seus coordenadores) e o atacante. Laura, por sua vez, daria o suporte para a equipe, jogando, eventualmente, uma ou outra partida – o Museu de Congonhas, publicado nesta edição, não teria sido viabilizado se ela não entrasse em campo, reconhece o titular do escritório.

 

Rotina interna

A cronologia de um projeto começa com uma reunião com o cliente, da qual Penna costuma participar. Antes, porém, já foram levantados dados referentes à solicitação. “Dali, em geral, já sai uma ideia”, detalha Bambozzi. Numa reunião posterior, participam Penna, Bambozzi e um coordenador escolhido para desenvolver as linhas do trabalho. “Norberto é o grande apoio dos coordenadores dentro da área de produção” destaca Laura.

Ao coordenador cabe, entre outras tarefas, estimar quantas horas serão gastas no desenvolvimento do trabalho. Até a apresentação do estudo preliminar, são realizadas várias reuniões nas quais se consideram as ponderações dos coordenadores. Laura e Norberto relatam que, de maneira geral, Penna facilmente abre mão das suas propostas e procura outras soluções. Laura pontua que, hoje, o escritório consegue avaliar se as condições do trabalho são ou não sustentáveis do ponto de vista econômico.

Com isso é possível ponderar se deve se engajar em determinado projeto ainda que ele não ofereça um retorno financeiro significativo, mas seja representativo para o portfólio. São dessa época de maior profissionalização outros trabalhos importantes. Entre eles, o Parque Ecológico da Pampulha (PROJETO 302, abril de 2005), em parceria do GPA com Álvaro Hardy e Mariza Machado Coelho; o Memorial da Imigração Japonesa no Brasil, em conjunto com Mariza Machado Coelho e Paulo Pederneiras (PROJETO 356, outubro de 2009); e a reformulação do Estádio Magalhães Pinto, o Mineirão, junto com GMP e SBP (PROJETO 357, novembro de 2009).

 

Todas as escalas

A pequena, a média e a grande escalas continuam presentes nas realizações do escritório e, conforme asseguram seus líderes, nenhuma delas será jamais rejeitada, já que tal diversidade é o aspecto que mais os atrai para continuar participando da equipe. “Não temos uma linha de produção”, observa Laura. “Temos o cuidado do ateliê, mas temos organização.”

Laura foi mentora do avanço organizacional do GPA. Contou, porém, com o suporte de Risia Botrel (UFMG, 1995), que começou na área de gerenciamento e planejamento em uma construtora de Alagoas – atleta profissional, ela se mudou para Maceió para integrar uma equipe de vôlei e quando deixou o esporte foi trabalhar na construtora.

De volta a Belo Horizonte, foi convidada a tomar parte no GPA depois de atuar, como consultora, no processo de certificação ISO 9001 que o escritório pleiteava. Pouco afeitas ao desenho de arquitetura, como Risia e Isabela Tolentino (UFMG, 2009) admitem, elas passaram a responder pelo planejamento e, em anos mais recentes, também pelo gerenciamento dos trabalhos do escritório. Para a ex-atleta, ter se organizado efetivamente como empresa – com controles financeiros, fluxo de caixa, apuração de horas trabalhadas – habilitou o GPA a participar de concorrências de porte ampliar fronteiras de atuação.

O edifício-sede da Forluz, em Belo Horizonte, produzido em conjunto com o Trinia Arquitetura (PROJETO 424, agosto de 2015), foi o primeiro no qual o GPA também participou como gerenciador. Penna reconhece que gerenciamento e planejamento foram fundamentais para alcançar o patamar atual: até o final do ano passado, contabilizavam-se mais de mil projetos no currículo do GPA; em 2015, estavam em andamento (em diferentes estágios) 40 trabalhos, metade deles contratada nos últimos 12 meses. Na entrevista e matérias a seguir, um apanhado da ideologia e das realizações, recentes e futura, do ateliê-empresa.

 

Entrevista

Como o senhor sintetiza seu processo criativo?
Minha preocupação é interpretar bem a demanda do projeto e isso significa abordá-lo bem por todos os ângulos, o que é da abordagem típica do arquiteto. Para começar, gente, para mim, é plural e não singular. Quando a demanda vem do cliente – que é importantíssimo -, não é ele o foco principal. Eu quero também imaginar a rua onde vai ficar a arquitetura, as pessoas que vão olhar. Um prédio, um edifício qualquer que ocupa um espaço no mundo precisa pedir licença para estar ali. Licença ao prédio do lado, licença com relação à calçada e com os outros prédios. Ele  tem que estabelecer uma relação de harmonia.
Quando o meu cliente é o “editor” dessa proposição, ele que encomendou, ele começa a entender que deve contribuir para que o objeto arquitetônico que vai surgir seja até mais sedutor, seja mais harmonioso, que convide ao olhar, à percepção. A questão dele, cliente, também dever ser analisada com muito carinho.
Tenho muito a noção de empatia, de me transferir para o lugar da pessoa, de ouvir de dentro e tentar não censurar. Então, você tem de descobrir uma intenção bonita daquela atitude, do desejo de construir, de ampliar sua estrutura, de beneficiar alguém. Quando essa interpretação é feita de uma maneira mais precisa, sem ser muito datada, a arquitetura tende a durar mais tempo e cumprir outras missões. Então, basicamente, o trabalho é esse: de compreensão do que significa a demanda.

O que mudou na sua maneira de exercer a profissão desde a época da sua formação até os dias atuais?
Mudaram as ferramentas de trabalho e o escritório ficou mais informatizado. O grupo que trabalha comigo hoje é formado por pessoas que nos conhecem há mais tempo, que já jogam por música. É como se tivéssemos capacidade de descobrir antes onde algo está falhando e encontrar solução para aquilo.
Eu persigo as mesmas coisas que perseguia quando saí da escola. Não fosse assim, como eu sobreviveria esse tempo todo? Não ia conseguir conviver comigo mesmo. Se você não tem honestidade de propósito consigo mesmo, com as buscas, não dá para acreditar em arquitetura e que ela seja capaz de melhorar a vida das pessoas. Acreditar que a arquitetura não é só construção de boniteza, mas da beleza.
Muita gente me pergunta se arquitetura é dentro ou fora. Não é dentro, tampouco fora: é através. A questão do ser através é a mesma em que eu pensava quando saí da escola. É um prédio que não converse somente com ele mesmo, mas que proponha um diálogo com o mundo e que os espaços externos sejam tão arquitetados quanto os internos. E que disponha de áreas de convite ao convívio.

O que mais agrada e o que mais incomoda no ofício, na forma como hoje o exerce?
O que mais me agrada é fazer várias coisas diferentes ao mesmo tempo. No momento em que estou intervindo em área de 9 milhões de metros quadrados – praticamente uma cidade -, em Governador Valadares, estou fazendo uma pequena capela ou um museu em uma cidade histórica. São formatos pequenos e propostas que variam de tamanho e função: hospital, escola, teatro, estação de televisão, museu, praça, monumento. Tudo isso provoca a invenção. O gostoso disso é inventar.
O que me incomoda é a falta de cultura do Brasil para a arquitetura. Até parece que existe um sistema que impede que as coisas saiam perfeitas, que saiam do jeito que foram pensadas. Parece existir um momento na obra em que os vários atores da cena arquitetônica começam a se dar o direito de alterar o trabalho. Não falo isso com arrogância, mas com tristeza, porque cada um tem sua missão. A minha é fazer com que a ideia pactuada no início chegue até o final.
Acredito que não haja outro país do mundo – pelos menos nos países civilizados – onde ocorra o que se dá aqui. Imaginava que, com mais tempo de produção, isso fosse se acabando, mas ainda é recorrente. Às vezes o gerente do contrato da obra se sente autorizado a fazer alterações no projeto. As entidades de classe – conselhos de arquitetura, IABs – e as escolas deviam conduzir um grande processo de elucidação a esse respeito, porque os próprios arquitetos não estão sabendo qual é a sua missão.

Qual a perspectiva para os escritórios de arquitetura num país em crise?
O mundo nunca precisou tanto de arquitetura como atualmente. As cidades não serão mais as mesmas e terão que ser repensadas pela mobilidade urbana, pela questão energética, pelas mudanças climáticas. O arquiteto tem que partir para o ataque, perder as esperanças, no sentido da afirmação feita por André Comte-Sponville [filósofo francês], no livro A felicidade desesperadamente. Ele diz que a esperança paralisa. Perder a esperança significa, então, colocar-se em ação, resolver problemas.
Essa é uma atitude parceira, generosa, e atitude solidária, no sentido mais bonito do termo. Não o termo como é usado muitas vezes pelos políticos e sim com a ideia de participar. Às vezes tem uma praça que a comunidade está procurando fazer, você vai lá e ajuda. Como remunerar? Às vezes tem uma pessoa que pode pagar por aquela obra e pode também pagar você.
Eu falo para os alunos das escolas de arquitetura: em vez de ficar esperando alguém contratar você, parta para a luta, comece na sua rua. Faça uma proposta para a prefeitura, junte, encomende-se um projeto. Pegue esse tempo que você está gastando em chorar, faça um projeto dentro do seu escritório e apresente para a comunidade. Tente arranjar pessoas capazes de mobilizar recursos para a realização disso. Procure fazer como Lina Bo Bardi falava: com o que se tem à mão. Meu avô dizia: “Quantos vivem a buscar o ideal no espaço, e o ideal aqui na terra, ao alcance dos nossos braços”.

 

Gustavo Penna: Colégio Roberto Herbster Gusmão/Fundação Zerrenner, Sete Lagoas, MG

Gustavo Penna: Museu de Congonhas, MG

*O conteúdo do Acervo PROJETO está em constante atualização. Algumas matérias publicadas podem apresentar textos em desacordo com as regras ortográficas atuais, bem como imagens em menor resolução que o ideal, ou mesmo a falta delas. Ajude-nos a atualizar o site enviando mensagens aqui.