Vinícius Andrade, Renata Andrulis, Marcelo Morettin e Marcelo Maia Rosa

Andrade Morettin

A inauguração da nova sede do Instituto Moreira Salles (IMS) em São Paulo coincide com a comemoração dos 20 anos de existência do escritório Andrade Morettin Arquitetos, comandado pelos fundadores, Vinícius Andrade e Marcelo Morettin, e pelos associados, Marcelo Maia Rosa e Renata Andrulis. É, sem dúvida, um projeto marcante na trajetória da equipe paulistana, o primeiro centro cultural concebido e que está localizado em uma das regiões mais importantes da cidade: a avenida Paulista. É especial o contexto, congregando elevada oferta de mobilidade urbana, a existência de um polo comercial e o crescente uso pela população como área pública de lazer e atividades culturais. Embora grande parte da energia dos arquitetos ao longo dos últimos seis anos tenha sido usada para gerir o projeto do IMS, estiveram em sua guarda outras tarefas de semelhante importância, como veremos a seguir.

Entre elas, a vitória, em 2015, no concurso fechado para a concepção da sede do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro, mesmo ano em que obtiveram o segundo lugar no concurso internacional Réinventer Paris (integraram o time de 12 equipes do consórcio de projetos da URBEM – Triptyque) e, simultaneamente aos preparativos finais para o lançamento de um livro sobre o escritório (pela Beï Editora, 2016), que forçou os arquitetos a reverem a totalidade dos seus projetos, a vitória no concurso para a escola Beacon, atualmente em construção em São Paulo.

Projetos residenciais e de edifícios para o mercado imobiliário estiveram igualmente na pauta, consolidando a diversidade de atuação almejada pela equipe. Foi há 20 anos, em 1997, que os arquitetos Marcelo Morettin e Vinícius Andrade, então atuantes no escritório de Felippe Crescenti, resolveram se associar. A verba era pouca e a carteira de potenciais clientes igualmente pequena, situação corriqueira entre os jovens profissionais, mas, no caso da dupla paulista, agravada pela escassa rede de relacionamentos na área – já declararam os arquitetos em algumas oportunidades. Morettin, formado em 1991 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), havia trabalhado anteriormente com Marcelo Fragelli e Joaquim Guedes; e Vinícius, diplomado pela mesma instituição um ano depois, integrara as equipes de Eduardo de Almeida, MMBB Arquitetos e do espanhol, radicado em Barcelona, Emilio Donato. Mas, a despeito da boa experiência de recém-formados, ambos definem como um tiro no escuro a iniciativa de abrirem escritório próprio.

O que tinham em mãos era o dinheiro para aparelharem minimamente o escritório, vindo da menção honrosa que receberam em um concurso, e a encomenda de uma casa na Vila Madalena, em São Paulo. Fato somado à sensação que compartilhavam de não pertencimento à corrente arquitetônica do seu meio de formação, em que pesava a influência da arquitetura robusta, feita com concreto. O que os incentivou a passarem longas jornadas na biblioteca da escola, pesquisando projetos provenientes de outras culturas arquitetônicas. “Olhando para fora: da arquitetura paulista, da brasileira, do mundo da arquitetura. Para o mundo das artes, do urbanismo”, disse Vinícius Andrade.


Estabilização

Interessava a eles a racionalidade construtiva e, nesse sentido, a arquitetura com componentes industrializados. Foi assim que da dificuldade – econômica – veio a possibilidade de arriscarem o uso de um material não convencional na primeira obra: uma chapa de telha metálica adotada como vedação do volume da escada da residência da Vila Madalena. Mecanismo repetido com maior ousadia ainda no projeto seguinte, o de uma pequena casa na beira de um lago em Carapicuíba (SP), concebida para um casal de amigos fotógrafos com pouca verba para construir.

Faltava dinheiro para implantar o que era essencial ao projeto: os vidros. A residência, denominada P.A., é composta por dois volumes, um social/íntimo e outro de serviço, sendo o primeiro transparente e elevado do solo, e o segundo, apoiado na terra e vedado com alvenaria. Durante o processo de desenvolvimento da arquitetura se depararam com uma chapa de policarbonato alveolar que, vista na cobertura de um galpão industrial, oferecia o tipo de transparência que desejavam para a casa.

A sua aplicação na P.A. foi acordada com os clientes como uma tentativa, uma opção com prazo desconhecido de duração, já que não se dispunha de dados técnicos ou ensaios anteriores sobre o uso do material naquela forma e condições. Deu certo. Passados 20 anos, o policarbonato continua lá, funcionando a contento, eles dizem.

Sintomático que a obra que publicamos agora, como parte desta seção Perfil, tenha também o fechamento envidraçado como protagonista, embora nesta as condições tenham sido totalmente diferentes. É como se, ao longo de duas décadas, a atuação de Vinícius e Marcelo tenha mudado muito, mas também pouco. Ou seja, entre a casa P.A. e a sede do Instituto Moreira Salles em São Paulo, obra que apresentamos a seguir, diminuiu a dose de risco no emprego dos materiais (tanto por causa do desenvolvimento da indústria da construção, mais aparelhada agora com dados técnicos e de desempenho dos produtos, quanto pela experiência acumulada pelos arquitetos), mas se manteve a linha de projeto: a favor da eficiência construtiva.

Durante a construção da casa P.A., a dupla de arquitetos venceu um importante concurso para a readequação espacial e paisagística do complexo da Faculdade de Medicina da USP. Levaram R$ 50 mil em prêmio e a segurança de seguirem adiante – Dal Pian Arquitetos, Francisco Spadoni e NPC Grupo Arquitetura foram os premiados do 2° ao 4° lugares, todos eles envolvidos com o mesmo tipo de arquitetura que interessava ao recém-formado Andrade Morettin Arquitetos.

Igualmente muito cedo em suas carreiras, a casa P.A. teve grande repercussão na mídia especializada. Entre 1998 e 1999, matérias sobre ela foram publicadas na revista espanhola AV Monografias, aqui na PROJETO, na Archicrée e na A+U. “A nossa arquitetura leve foi identificada como um pequeno manifesto”, disse Marcelo Morettin. O escritório, coeso quantitativa e intelectualmente, foi ganhando solidez para seguir adiante.

 

Presença pública

Com pouco mais de cinco anos de atuação, Vinícius e Marcelo receberam a encomenda de uma escola da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). Mudança de escala e de programa – das pequenas casas para um equipamento público com grande impacto no entorno -, seguindo, contudo, a mesma lógica de projeto. “Para o fechamento do volume, optamos por componentes industriais leves e duráveis que pudessem substituir com êxito a tradicional alvenaria de blocos. Utilizando telhas metálicas pré-pintadas e venezianas industriais de PVC para o fechamento das fachadas, e telhas metálicas termoacústicas para a cobertura, confirmamos a lógica construtiva que desejávamos propor”, conforme descrição feita no memorial do projeto da Escola Estadual Roberto Marinho, em Campinas (SP). O trabalho recebeu menção honrosa no 7° Prêmio Jovens Arquitetos, do Instituto de Arquitetos do Brasil /SP, em 2005.

Era a consolidação de uma etapa já esboçada um ano antes, quando a equipe conquistou o primeiro lugar no concurso lançado pela prefeitura paulistana (HabitaSampa) para a criação de edifícios habitacionais destinados à locação social em dois terrenos da zona central. A vitória do Andrade Morettin Arquitetos foi com o Conjunto Habitacional Assembleia (projeto selecionado para participar da 6ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2005, que, com o tema Viver na Cidade, teve curadoria de Pedro Cury e Gilberto Beleza), eleito por unanimidade pelo júri formado por Antônio Carlos Sant´Anna Junior, Eduardo de Almeida, Helena Menna Barreto, Joan Villá e João Filgueiras Lima.

Tudo caminhava bem: cresciam e diversificavam‑se as encomendas particulares, as vitórias em concursos davam o retorno positivo para os arquitetos se aventurarem em programas mais complexos, e havia o reconhecimento do meio arquitetônico nacional e internacional, tanto na mídia impressa quanto nas bienais de arquitetura. Como o caso, em 2004, da participação do projeto para a casa M.M. na mostra Panorama Emergente Iberoamericano, da 4ª Bienal Iberoamericana de Arquitetura (Lima, Peru) e, no ano seguinte, na exposição Encore Moderne? Architecture Contemporaine au Brésil (em Paris, com curadoria de Lauro Cavalcanti e André Corrêa do Lago).

Apesar dos grandes painéis envidraçados das fachadas, trata-se de uma residência de concreto aparente que, com sua materialidade, mostra a flexibilidade dos arquitetos em utilizarem, dadas a conveniência e possibilidades de cada projeto, sistemas diversos.

 

Diversificação

O passo seguinte foi a entrada no mercado imobiliário. Primeiro trabalhando com um empreendedor não convencional – a IdeaZarvos! – e em anos mais recentes em conjunto com um agente mais tradicional do setor. Quando receberam a encomenda da Tishman Speyer para projetarem o residencial Marcos Lopes, localizado em rua homônima na Vila Nova Conceição, bairro na zona sul de São Paulo, o Andrade Morettin Arquitetos possuía já um sólido mecanismo de trabalho, que consiste no meio termo entre a defesa da imutabilidade do projeto (do que é essencial a ele) e a postura flexível de absorverem as contribuições das diversas especialidades, de modo a moldarem coletivamente a arquitetura construída.

Se colocam, assim, como negociadores, guiados por uma estratégia de projeto relacionada ao lugar, ao programa e à imagem que desejam para o trabalho, mas que é impactada pelas tantas esferas que interceptam a arquitetura, como as das tecnologias e a econômica. Algo que deveria ser o cotidiano da profissão, mas, dada a distância que existe no Brasil entre quem projeta e quem constrói, não é o que se costuma observar por aqui, onde, ao contrário, parece haver uma queda de braço entre o arquiteto e o construtor – com o prejuízo do primeiro.

Ainda assim, a postura flexível do escritório não significa que seja passiva a atitude da dupla de arquitetos perante os condicionantes da obra, como bem demonstra o histórico dessa torre residencial paulistana. Já adiantado o processo de desenvolvimento, eles conseguiram convencer o cliente a vedar a edificação com painéis pré-fabricados de concreto, previsto em dimensões maiores que as usuais, mas que foram descartados no início do processo. Demonstraram que se tratava de um sistema viável economicamente, sobretudo pela menor frequência de manutenção se comparado à tradicional vedação com alvenaria pintada.

Dito isto, é evidente que são arquitetos presentes nas obras e que gerenciam os projetos complementares, prática que se estabilizou com a mudança institucional ocorrida em 2011, quando Renata Andrulis (FAU/USP, 2004) e Marcelo Maia Rosa (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2005) associaram-se ao escritório. São eles que encabeçam o desenvolvimento dos projetos ao lado de Vinícius e Marcelo. Quando venceram, em 2011, o concurso fechado para a concepção da sede paulista do Instituto Moreira Salles (concorreram também a Bernardes Arquitetura, o SPBR, Studio mk27, Una Arquitetos, Arquitetos Associados, totalizando 6 equipes entre as 15 entrevistadas pela orgazinação da competição), o Andrade Morettin Arquitetos já era um escritório estável. O significado dessa obra para a sua história e os rumos do escritório desde então são os temas da entrevista a seguir.

 

Entrevista

Qual a importância do projeto do IMS para o Andrade Morettin Arquitetos?
Vinícius Andrade
 epresenta a nossa trajetória, como se disséssemos: olha o que conseguimos realizar até agora. Tem posição privilegiada e ocupa um dos últimos terrenos livres da [avenida] Paulista. É um lugar simbólico. A sua contribuição é acomodar uma casa de cultura, que vem se juntar a outras da avenida, colaborando para consolidar a sua vocação cultural.

 

Que contribuição ele traz para a cultura de projeto do escritório?
Marcelo Maia Rosa oi pioneiro no sentido do tipo de diálogo que tivemos com a indústria. Não é um projeto industrial, feito com produtos de mercado, mas usamos a capacidade técnica, tanto brasileira como a de empresas do exterior, para desenvolvermos produtos especiais.

 

Qual a relação entre a estética e a estratégia do projeto?
VAPrecisávamos conciliar a dinâmica da avenida, que tem excelente oferta de mobilidade urbana, com o espaço contemplativo desejado para o centro cultural. Analisamos, então, a mediação que cada uma das casas de cultura do local faz com o espaço público e, com essas relações em mente, olhamos o nosso lote. É pequeno até [20 x 50 metros]. Tivemos o impulso de criar um segundo térreo, onde ocorreria a entrada – aliviando o nivel da calçada -, e de polarizar as atividades em dois grupos: expositivo e multifuncional (cinema, auditório, biblioteca e educativo). O centro gravitacional do projeto estaria nessa cota de 15 metros. Depois, tratamos de inventar esse envelope, que é quase um cacoete da nossa arquitetura. Surge, então, um espaço intersticial, coletivo e por onde flui o ar. A inserção na cidade é serena, durante o dia, mas a noite o edifício colabora com a vida noturna da região.

 

Quais as principais alterações desde o concurso e ao longo do projeto executivo?
MMRElas foram sobretudo relacionadas à fachada. Tínhamos ideia da luminosidade desejada, mas queríamos mais transparência. Com a Front [empresa consultora] começamos a pesquisar vidros foscos, depois fizemos estudos das juntas de dilatação, de túnel de vento e protótipo na obra, que nos fez rever algumas convicções de projeto. Com a ajuda da indústria, chegamos a um material especial, com baixo percentual de ferro, desempenho térmico adequado e tamanho fora do padrão. Mas, no geral, tudo tendeu a sofrer uma certa simplificação. A surpresa, com a obra pronta, foi que o vidro, fosco, gerou um bem-vindo efeito inverso: ele é muito mais transparente do que imaginávamos. A falta de reflexo permite observar tudo o que acontece dentro do prédio.

 

Que outros projetos foram desenvolvidos em paralelo ao IMS?
Marcelo MorettinO centro cultural é, sem dúvida, um dos nossos projetos mais importantes; o primeiro de tamanha repercussão pública e que congrega temas que sempre nos interessaram ao longo dos anos: pesquisa, estratégia e estrutura. Mas aconteceram coisas igualmente marcantes, nestes últimos anos, de consolidação do nosso trabalho. Estão em construção, por exemplo, casas de que gostamos muito; projetamos para o mercado imobiliário e em breve ficará pronto um prédio da Zarvos, na rua Girassol, que é um dos mais interessantes dessa leva desde o edifício Box, na rua Fidalga.
VAGanhamos o concurso para a nova sede do IMPA [Instituto de Matemática Pura e Aplicada]. O programa é interessante, o lugar é especial (na Floresta da Tijuca) e o projeto reúne muito da pesquisa sobre arquitetura quente e úmida que nos interessa. Essa será uma obra 100% industrializada.
MMRTivemos também a oportunidade de rever a nossa produção fazendo a seleção de projetos para o nosso livro [lançado no início de 2017, pela Beï Editora]
VATudo está acontecendo ao mesmo tempo. Está ficando pronta uma escola muito importante para nós, a Beacon [requalificação de galpões na Vila Leopoldina, em São Paulo].

 


Confira alguns dos projetos:

 

Instituto Moreira Salles, São Paulo

 

Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, Rio de Janeiro (RJ)

 

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