Studio Arthur Casas

Com mais de trinta anos de formado, o arquiteto Arthur Casas sente-se seguro para afirmar que quem não sabe projetar interiores não domina escalas e, por consequência, não sabe projetar casas. “Pode desenhar museus melhor que eu. Mas casas não sabe fazer”. A ocupação/reformulação de espaços internos foi o que, por mais de uma década, alimentou com trabalhos o estúdio fundado em meados dos anos 1980. Depois de atravessar um período no qual, segundo ele, só eram contratados projetos de residências neoclássicas, a partir dos anos 2000 seu estúdio tornou-se referência em projetos de casas de alto padrão. De personalidade inquieta, Casas lidera hoje uma equipe de cerca de 40 profissionais que, nos últimos anos, lançou-se em trabalhos de maior escala que vão dos concursos públicos aos empreendimentos imobiliários.

 

O interesse de Regiane Khristian pela história da arquitetura levou-a a inscrever-se, em 2015, na pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Formada pela Universidade Mackenzie, Regiane trabalha, desde 2006, no Studio Arthur Casas, onde atualmente responde por uma das diretorias.

Em uma conversa que antecedia uma apresentação qualquer do curso, ela recorda ter ouvido comentários maledicentes sobre o resultado do concurso público de arquitetura para a seleção do projeto que representaria o Brasil na exposição universal a ser realizada na Itália, a Expo Milão 2015. “Vocês viram que absurdo o projeto vencedor?” Se não textualmente, o tom do comentário foi muito parecido. Até então em silêncio, Regiane identificou-se e reagiu: “Eu trabalho lá. Absurdo por quê?”, ela diz ter retrucado.

Pouco tempo antes, o trabalho apresentado pelos escritórios Studio Arthur Casas e Atelier Marko Brajovic, vencera a competição. Decorridos mais de três anos, o “argumento” que ainda está presente em sua memória era que o trabalho do escritório não representava uma arquitetura de cunho social.

Para ela, o questionamento revelava uma visão preconceituosa sobre o trabalho do estúdio. Uma das possíveis explicações para esse ranço ideológico pode estar na trajetória que o arquiteto Arthur Casas (e o escritório que fundou na metade da década de 1980) percorreu em mais de três décadas de carreira. Inicialmente rotulado como decorador, Casas permaneceu por quase quinze anos trabalhando quase que exclusivamente com projetos de interiores, sobretudo os de apartamentos – apenas a partir dos anos 2000 foi que sua produção migrou para projetos residenciais de alto padrão.

 

Casas desde a infância

Se as primeiras encomendas de residências para Casas demoraram a acontecer, esse universo povoava sua imaginação desde a infância. Paulistano criado em um bairro da zona oeste da capital, ele recorda de, nos finais de semana, na casa dos avós, passar horas esboçando-as em folhas de sulfite e cadernos. Não consegue identificar, porém, o que despertou o interesse para o desenho, uma vez que – diferente da maior parte dos que seguem a profissão – nem pais, tios ou avós eram arquitetos ou engenheiros.

O menino que passava as horas riscando moradias frequentou, no ensino fundamental, a escola pública. Já o ensino médio ele cursou no Porto Seguro, tradicional colégio privado paulistano, de onde saiu direto para a faculdade de arquitetura. O pai, industrial, desejava que fosse engenheiro – e o jovem até prestou vestibular para a área, porém sem nenhuma convicção. Ainda aluno do Porto Seguro, também fez inscrição para os vestibulares da FAU/USP e FAU/Mackenzie.

Casas conta que, na tentativa de incentivá-lo a ingressar na universidade pública – e, portanto, gratuita – o pai prometeu que, se aprovado, ele ganharia um carro. “Um Puma [carro esportivo fabricado no Brasil até o início dos anos 1990], o que hoje equivaleria a receber um helicóptero de presente”, ele compara com certo exagero. Ao contrário de estimular, a oferta acabou comprometendo seu desempenho. Casas faltou à prova de aptidão que era realizada no período vespertino no mítico prédio da Cidade Universitária projetado por Vilanova Artigas.

 

Mackenzie e o mercado

Para quem acreditava que no ano seguinte faria cursinho, foi surpresa ter conseguido, aos 17 anos, ingressar na arquitetura do Mackenzie, escola que se mostrou fundamental para sua trajetória. “A universidade é determinante no nosso futuro”, ele avalia. Para Casas, o Mackenzie de sua época proporcionava uma visão do mercado que a FAU não oferecia.

São poucos os colegas de faculdade que Casas lembra-se de continuarem na profissão. E ainda que possa parecer soberba (ele observa que pode não se recordar de alguns) arrisca a dizer – “humildemente”, ressalva – que seu estúdio talvez tenha sido o único a destacar-se. Entre os professores, cita de memória Carlos Bratke (de quem se tornou e manteve-se amigo até a morte deste, ocorrida em janeiro passado), Barretinho (Joaquim Barreto, assim chamado em razão de sua estatura) e Carlos Cascaldi – “que foi braço direito do Artigas”, observa.

Numa avaliação retrospectiva desse período, ele considera que, até mais que as aulas, foi o ambiente universitário que consolidou sua visão do arquiteto profissional em contraponto à do arquiteto artista. Outra sua observação é que “nossos grandes arquitetos sempre foram mal remunerados”, afirma, dando como exemplo Vilanova Artigas, autor do projeto de dezenas de casas, entre outras, o da residência no Pacaembu, em São Paulo, onde ele reside. “A casa foi projetada para o advogado Rivadavia Mendonça que, até onde sei, foi presidente do Partido Comunista”. Embora não seja explícito, a informação deixa inferir que, para ele, ou Artigas (também militante) projetou a residência sem receber, ou cobrando honorários menores do que o projeto valia.

Ainda hoje, considera Casas, prevalecem na profissão resquícios dessa cultura envergonhada ao se tratar de dinheiro. “Ao contrário dos Estados Unidos [e ele fala com conhecimento de causa, uma vez que o estúdio tem uma filial em Nova Iorque] e da Europa, onde a qualidade do trabalho está relacionada com a remuneração cobrada, no Brasil parece que, quanto menos cobra, mais artista você é”, dispara.

 

Desenho de móveis e interiores

Dois anos depois de concluir a faculdade – formou- se em 1983 – Casas constituiu o escritório que, durante mais de uma década, desenvolveu, quase que de forma exclusiva, projetos de interiores, sobretudo apartamentos. Em paralelo, ele desenhava, fabricava e vendia os móveis de sua autoria e de designers italianos, inclusive peças criadas pelo arquiteto Mario Botta. Embora pouco tenha lhe rendido em termos financeiros – é o que ele diz – a Soho (nome da loja que funcionava no mesmo endereço do escritório) trouxe- lhe exposição na mídia, divulgando seus trabalhos.

A “especialização” – arquitetos odeiam o termo – em projetos de interiores não foi escolha, mas a maneira que Casas diz ter encontrado de expressar-se num momento em que estava no auge a estética neoclássica praticada pelo mercado imobiliário paulistano. “Minha geração sofreu muito. Vivemos um hiato terrível na arquitetura brasileira nesse período. O mercado imobiliário abraçou o neoclássico com alegria porque é uma arquitetura barata de executar. É moldura de gesso e caixilho pequeno”, resume.

Ainda segundo Casas, nesse período ninguém queria contratar projetos de moradias modernas – ele argumenta que as residências do auge do período moderno (e diz ter conhecido várias delas em que seus conhecidos residiram) eram arquitetonicamente interessantes, porém nada confortáveis. “As casas eram quentes no verão e frias no inverno. A impermeabilização era indecente e vivia pingando”, lista ele sobre problemas apresentados por essas casas.

 

De cinco a cinquenta

Para o estúdio, esse panorama só começaria a mudar na virada para o ano 2000, quando surgiram as primeiras encomendas de projetos residenciais. Porém, ainda que outras a tenham precedido, foi o projeto para a residência na praia do Iporanga no Guarujá, em meio à Mata Atlântica, concluída em 2004, que catapultou a escala do estúdio para novo patamar. Projetada para sua família (quando está no Brasil, costuma passar lá os finais de semana), a moradia recebeu ampla atenção da mídia – foi capa de cerca de três dezenas de publicações somando o Brasil e exterior.

A contratação de Regiane Khristian pelo estúdio deu- se no período em que a casa continuava a repercussão na imprensa. Ela recorda que, quando chegou ao estúdio, o escritório trabalhava no projeto de cinco ou seis residências e contava com uma equipe que não chegava a uma dezena de colaboradores. Três anos depois, o número de projetos residenciais havia saltado para quase meia centena e o time também crescera significativamente. Foi então que houve uma reorganização interna, com a formação de equipes que se dedicariam a segmentos específicos da arquitetura.

Atualmente o estúdio reúne núcleos dos seguintes segmentos: comercial (lojas e restaurantes), residencial; interiores (de apartamentos); decoração (mobiliário e tecidos); hotéis; e empreendimentos imobiliários (a mais recente) – e o total de pessoas que trabalham na agradável sede paulistana do escritório – uma casa na rua Itápolis, no Pacaembu -aproxima-se de 40. Para os padrões brasileiros, um grande escritório, no qual ainda persiste, na avaliação de Regiane, a pureza do ateliê, onde, a personalidade (centralizadora) de Casas parece impressa em cada projeto.

 

Foto: Miti Sameshima

 

Universo dos concursos

Quase sempre o arranque inicial dos trabalhos do estúdio é definido no desenho (com réguas) do titular, que depois o envia às equipes para serem convertidos em imagens em 3D, volumetrias e desenhos técnicos. Ao final dessa etapa, o projeto retorna para Casas que, em geral, é quem dá a palavra final. Trata-se de uma cultura arraigada que, no entanto, vem tendo pequenas (e saudáveis) fissuras nos últimos anos – o arquiteto, reconhecem os integrantes da equipe, tem se mostrando mais permeável às sugestões, ideias e nortes que vicejam num ambiente intelectual e conceitualmente diverso.

Trabalhador incansável – em certa ocasião, Casas atribuiu a corcunda que ostenta ao tempo que passa debruçado sobre desenhos (e isso vem desde a infância) – é, por natureza, inquieto e por isso às vezes costuma “provocar” a equipe. Num desses momentos, em 2011, notou que o time tinha potencial para ir além das áreas em que estavam trabalhando e articulou a participação do escritório num universo até então desconhecido para eles: os concursos públicos de arquitetura. Antes, o escritório só havia tomado parte em um desses certames: o concurso do Bairro Novo, na Barra Funda, em São Paulo, junto com o arquiteto João Valente.

Foi por isso que causou surpresa quando, em 2012, anunciaram como vencedor do concurso para a Requalificação de Largos do Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador, o projeto inscrito pela equipe do estúdio. Nesse mesmo ano, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) promoveu concurso para o novo campus em Curitiba, no bairro Cabral (para atender os cursos de Artes, Comunicação e Design). Pela segunda vez, o escritório participou e, de novo, ficou em primeiro. No ano seguinte o mesmo ocorreria, com o concurso de projeto para o Novo Centro Administrativo do Maranhão.

 

Milão 2015

Quando contou a Casas o que ouvira na FAU Maranhão a respeito do resultado do concurso para o pavilhão brasileiro na Expo Milão 2015, Regiane recorda de o arquiteto ter dado risada. Com razão, pois, afinal, era a quarta vez que um dos projetos do estúdio (no caso de Milão, com colaboração do Atelier Marko Brajovic) vencera competições dessa natureza. Dos quatro que ganhou, o concurso do pavilhão é, até o momento, o único implantado – esse tipo de desfecho é relativamente comum em se tratando de concursos no Brasil.

Regiane acredita que ter vencido essas concorrências fez com que outros escritórios e instituições, como o Instituto de Arquitetos do Brasil, passassem a observar com outro olhar os trabalhos do estúdio. Enquanto isso, internamente, a participação nessas competições provocou maior abertura do titular do escritório em relação às ideias e propostas de outros membros da equipe.

É o caso do arquiteto Gabriel Ranieri, que, em 2009, ingressou no estúdio como estagiário e, ao lado de Regiane, é atualmente diretor, respondendo pela área de criação. Naquele ano, quando procurou retomar o estágio – havia deixado o anterior para dedicar-se ao trabalho de conclusão de curso no Mackenzie – a arquitetura de Casas já lhe chamava a atenção. “Me identificava com as coisas que ele fazia e pensava”, conta Ranieri, mencionando, de memória, um projeto de Casas [o do restaurante Kaá, em São Paulo] que fora publicado na PROJETO 355, de setembro de 2009.

 

Novos mercados e futuro

Simultâneo à participação em concursos, o escritório – aproveitando o boom que o mercado da construção viveu até 2014 – abriu novo flanco: a atuação em projetos de empreendimentos imobiliários. Interessadas em oferecer arquitetura mais qualificada, algumas empresas do segmento – como RRG, Vitacon e Souza Lima, de São Paulo – confiaram projetos ao estúdio. “No começo, apanhamos muito”, conta Regiane, explicando que não havia na equipe nenhum arquiteto com experiência no setor. “As construtoras quase nos pegaram pela mão”, detalha.

Hoje – embora o segmento imobiliário tenha refluído consideravelmente – já existe conhecimento acumulado com esse tipo de projeto, inclusive em outras capitais (como é o caso de Curitiba, com o projeto do Ícaro – veja à frente). Neles, Ranieri tem participação muito mais efetiva, inclusive no que se refere à conceituação inicial. “Antes esses processos eram verticais. Hoje, temos muita troca e abertura para testes”, ele explica.

Ranieri também atribui a contratação do escritório para empreendimentos de maior escala ao domínio que o estúdio demonstrou possuir ao vencer o concurso da UFPR . “O mercado sabia que éramos voltados para projetos de casas, interiores, lojas e restaurantes. Com o concurso, notaram que fizemos um edifício de quase 40.000m² e sentiram confiança para nos procurar”, avalia. Tanto é verdade, que o escritório foi chamado para desenvolver projetos imobiliários no Rio de Janeiro, Porto Alegre e interior de São Paulo.

Interiores de apartamentos, residências, concursos, empreendimentos imobiliários – as tipologias no estúdio hoje são bastante diversificadas. Qual seria a próxima ambição do Studio Arthur Casas? “Se tivesse que fazer uma aposta, diria que temos que crescer em termos de projetos internacionais. Ainda temos um pequeno número deles”, analisa Regiane. “Acredito que escritórios como o meu e alguns outros que atuam muito bem na área residencial vão ser cada vez mais chamados para fazer incorporações”, prevê Casas. “Hoje, os prédios não podem mais sair de uma prancheta sem autoria e sem reflexão”, ele justifica.

 

Entrevista

No início da carreira, você foi rotulado como decorador. Atualmente seu escritório é contratado para encargos considerados mais complexos e, no meio profissional, seu conceito alcançou outro patamar. Que diferença isso faz para você?
Sempre me considerei arquiteto, não só pela minha formação mas, sobretudo, pela forma com que me relaciono com o ofício. Uma relação com o espaço e com o desenho. Mas é verdade: houve algum esforço e também evolução natural do meu percurso profissional para que atuasse em todas as escalas. Tenho uma visão holística da arquitetura, que abrange do desenho do utensílio doméstico ao espaço urbano.

Mesmo em um momento de crise econômica, seu estúdio manteve basicamente o mesmo número de profissionais, enquanto outros dispensaram muitos arquitetos. Por que sua empresa é exceção?
Por conta de atuar em vários segmentos. Projetamos edifícios, mas fazemos interiores. Desenhamos grandes shopping centers, mas também mobiliário e assim por diante. Mas, sem dúvida, também sofremos com a crise. Nosso faturamento no ano passado foi quinze vezes menor do que o do ano anterior. Quem não sofre?

Em algum momento da trajetória de seu escritório você foi a busca de trabalhos? Como o Studio Arthur Casas procede para conseguir novas encomendas/contratos/projetos?
Sim. No passado já era conhecido como arquiteto de interiores e pedi inúmeras vezes às construtoras a oportunidade de atuar como arquiteto dos edifícios. Claro que isso nunca resultou em sucesso. Atualmente esperamos “baterem na porta”.

Qual a importância da imprensa especializada (no caso a de arquitetura) para que um escritório ganhe projeção?
Toda a importância! É a nossa forma de divulgação, a razão pela qual o cliente “bate na porta”, que nosso trabalho é desejado.

Qual tipologia de projeto seu escritório ainda não desenvolveu e tem expectativa de realizar?
Quero atuar em áreas públicas; parques, museus. Quero que meu trabalho atinja diversas classes sociais. Foi muito gratificante para mim e toda a minha equipe ter projetado o pavilhão da Expo 2015 e ver milhares de pessoas de diferentes culturas interagindo com o espaço que criamos e, agora, queremos mais.

 


Veja alguns projetos:

 

Hotel Emiliano, Rio de Janeiro

 

Ícaro, Curitiba, PR

 

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